CURIOSO OBSERVAR:
Pequenas reflexões sobre saúde mental em tempos difíceis
Por Juliana S. Valis
Vivemos em um mundo bastante complicado, desigual, agressivo, injusto e violento, o que é bastante aferido pelo senso comum. Somando-se a isso os vários problemas gerados pela maioria das famílias disfuncionais, não serão muito antagônicas as exigências da sociedade de que todos se aproximem de padrões de "perfeição", feito belos robôs produtivos, com saúde mental e física impecável ?
Curioso observar que, muitas vezes, a mesma sociedade que tanto agride e abandona muitas pessoas, deixando-as vulneráveis e com vários problemas, é a mesma que as discrimina por terem ficado doentes.
O Estado que cobra tanto dos indivíduos, com alta carga tributária e alto índice de descaso desumano, é o mesmo que não fornece serviços básicos de qualidade, seja na área da educação, saúde, transporte ou segurança pública. Ou seja, exige-se muito das pessoas em geral, mas pouco (ou nada, em muitas situações) é realmente oferecido para ajudá-las. Tal fato gera um contexto social desafiador e pouco empático, com uma coletiva sensação de desamparo e de "salva-se quem puder, mas sempre produza e gere renda, coloque sua máscara, disfarce seus sentimentos e limitações, pois ninguém quer saber, e empenhe-se em sobreviver ao teatro social".
Fonte da imagem: https://hospitalsantamonica.com.br/ansiedade-e-depressao-na-pandemia/
Diante de altas exigências sociais de produtividade, eficiência performance, com grande intolerância aos sentimentos ditos "pouco produtivos", quem consegue ser perfeito? Ninguém é 100% "normal". Simplesmente ninguém é perfeito, soando comum e óbvia essa frase, mas pouco assimilada, na prática, por tantos que exigem a perfeição alheia.
Fonte da imagem: https://www.pensador.com/frase/MTA0MTAwMw/
O perfeccionismo dita suas desumanas regras globais e, quanto mais vulnerável for o indivíduo, ao menos economicamente, maiores tendem a ser as exigências de perfeição e maior se torna a intolerância às falhas e ambivalências, que todos nós temos. De fato, ninguém é perfeito, soando redundante.
A ironia é que algumas "loucuras" são mais toleradas que outras, sobretudo se forem de indivíduos poderosos e ricos, enquanto a hipocrisia e o cinismo social reinam por séculos, criticando e condenando muitas outras pessoas, principalmente quando mais vulneráveis, sem sequer as conhecerem de fato. Exige-se socialmente uma pseudo-racionalidade técnica, bastante demandada em muitos ambientes profissionais. Todavia, no fundo, essa suposta "racionalidade" humana está recalcada em tantas emoções reprimidas e inconscientes que, com o passar do tempo, tornam-se panelas de pressão coletivas.
Assim, diante de tantas exigências e pouca tolerância às frustrações, emoções e falhas humanas, não é por acaso que, durante esses tempos difíceis, incluindo os vários problemas advindos da pandemia de covid, houve um significativo aumento de casos de ansiedade, estresse, depressão, entre outros transtornos e doenças, colocando em xeque nossa saúde física e mental. De um lado, vivemos tempos bastante difíceis e com pouco afeto humano, de outro lado, existe pouca empatia prática e muito preconceito com problemas de saúde mental, aos quais ninguém está imune, entre muitos outros preconceitos de várias vertentes.
Além dos preconceitos e da alta intolerância às falhas, as interações humanas significativas se tornaram cada vez menores, digitalizadas e solitárias. Somos, nesse contexto, induzidos a interagirmos mais com telas de celulares e computadores do que com pessoas reais.
Fonte da imagem: https://extra.globo.com/noticias/saude-e-ciencia/casos-de-depressao-ansiedade-aumentam-na-pandemia-saiba-como-lidar-25041048.html
Desse modo, talvez muitos não saibam conviver empaticamente com seres humanos reais, em um mundo cada vez mais digitalizado e individualista, preferindo imagens ou estátuas sempre lindas, idealizadas, utilitárias aos seus desejos, rentáveis, magníficas, previsíveis e perfeitamente inalcançáveis.
Por isso, é sempre mais fácil tentar rotular os outros como "loucos" do que realmente entendê-los, como se alguém fosse 100% "normal" e perfeito. Talvez nem os robôs sejam perfeitos, embora, por muitas vezes, haja mais fascínio e apreço pelos robôs do que pelos humanos, nesse mundo altamente utilitário e mercadológico. Enfim, o que pode nos auxiliar é termos mais humildade, empatia, solidariedade e abertura à reflexão.
Fonte da imagem: https://br.freepik.com/fotos-premium/robo-humanoide-pensando-ai-analisando-tela-de-holograma-mostrando-o-conceito-de-ai_12180299.htm
Primeira imagem - Estátua de Rodin - Fonte: https://www.culturagenial.com/o-pensador-de-rodin/
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