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        CONCEITOS E PERCEPÇÕES
                 
          por Juliana S. Valis






        Interessante observar como a própria conceituação das coisas está frequentemente nublada por nossas crenças inconscientes e por percepções subjetivas, preconceitos, vieses e padrões de pensamentos automáticos. A própria pretensão de raciocínio "neutro e imparcial' tende a ser uma falácia em termos filosóficos e psicológicos. Por isso, talvez muitas pessoas que dasafiaram pensamentos e preconceitos sociais vigentes em diferentes épocas foram rotuladas de "loucas" por outros indivíduos autoritários e intolerantes. Nesse contexto, a própria definição do que seria "loucura" foi constantemente  distorcida de acordo com os parâmetros tidos como adequados por grupos  mais poderosos, de acordo com suas conveniências e interesses. Em termos científicos, essas definições de "loucura" e de "normalidade" foram constantemente reformuladas ao longo dos anos. O mesmo indivíduo considerado "louco" no passado, atualmente seria um gênio.

    Assim, é importante considerar que talvez ninguém seja perfeitamente "normal", como bem mencionam vários autores. O que ocorre é que algumas "loucuras" são mais aceitas que outras ou mais camufladas, enquanto as supostas falhas de pessoas mais vulneráveis são superdimensionadas, distorcidas ou exacerbadas, muitas vezes com a hipocrisia e cinismo daqueles que detêm certo poder. O que seria "normal" é uma discussão infinita, seja filosófica, psicológica ou sociológica, em seus vários detalhes. Basta lembrar da célebre obra "O Alienista", de Machado de Assis (
O Alienista – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org), cuja leitura é altamente indicada, assim resumida pela Wikipedia:



       "Depois de conquistar respeito em sua carreira de médico na Europa e no Brasil, o Dr. Simão Bacamarte retorna à sua terra-natal, a vila de Itaguaí, para se dedicar ainda mais a sua profissão(...).

        Certo dia, o Dr. Bacamarte resolve se dedicar aos estudos da psiquiatria e constrói em Itaguaí, um manicômio chamado Casa Verde para abrigar todos os loucos da cidade e região. Em pouco tempo o local fica cheio e ele vai ficando cada vez mais obcecado pelo trabalho. No começo, os internos eram realmente casos de loucura e a internação aceita pela sociedade, mas em certo momento Dr. Bacamarte passou a enxergar loucura em todos e a internar pessoas que causavam espanto. A primeira delas foi o Costa, homem que perdeu toda sua herança emprestando dinheiro para os outros, mas não conseguia cobrar seus devedores. A partir daí diversas outras personagens serão internadas pelo alienista (...).

       
     Com o tempo, o clima se torna cada vez mais tenso na cidade, e o barbeiro Porfírio, que há muito almejava ingressar na carreira política, resolve armar um protesto. Porém, quando se descobre que o alienista pediu para não receber mais dinheiro pelos internos, generaliza-se a crença de que as inúmeras reclusões não seriam movidas por interesses econômicos mesquinhos, e o movimento se enfraquece. Porfírio, no entanto, movido por sua ambição de chegar ao poder, consegue armar a Revolta dos Canjicas (o barbeiro era conhecido por "Canjica"). A população se dirige para a casa do Dr. Bacamarte para protestar, mas é recebida por ele com muita tranquilidade. Por um momento, a fúria do povo parecia ter sido controlada, mas a população se revolta novamente quando o alienista lhe dá as costas e volta a seus estudos  (...).

       
         Por fim, 75% da população da cidade encontrava-se internada na Casa Verde. O alienista, percebendo que estava errado, resolve libertar todos os internos e refazer sua teoria: se a maioria apresentava desvios de personalidade e não seguia um padrão, então louco era quem mantinha regularidade nas ações e possuía firmeza de caráter. Com base em sua nova teoria, o Dr. Bacamarte recomeça a internar as pessoas da cidade, e o primeiro deles é o vereador Galvão, o único contrário à lei proposta pelos vereadores de que eles não poderiam ser recolhidos à Casa Verde. Assim, as internações continuaram. Outras pessoas, porém, são consideradas curadas ao apresentarem algum desvio de caráter.

       Após algum tempo, o Dr. Simão Bacamarte percebe que sua teoria, mais uma vez, está incorreta, e manda soltar todos os internos novamente.

    Como ninguém tinha uma personalidade perfeita, exceto ele próprio, o alienista conclui ser o único anormal e decide trancar-se sozinho na Casa Verde para o resto de sua vida." Fonte da citação: O Alienista – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)




       Essa obra acima de Machado de Assis, publicada em 1882, retrata com bastante perspicácia como a própria conceituação de "normalidade" é bastante enviesada e subjetiva em muitos casos, chegando a ser cômica, pois ninguém seria perfeitamente "normal", incluindo os próprios cientistas que tentam classificar as "loucuras" e os "transtornos" há muitos séculos. Por isso, quando alguém nos acusa de sermos "loucos", provavelmente existem vários preconceitos, hipocrisias e distorções embasando essa falácia, muitas vezes cômica, pois quem seria perfeito e normal ? Quem seria o Alienista ou os Alienistas do século XXI ?

   Enfim, são muitas perguntas com respostas infinitas. Talvez a arte nos salve de nós mesmos com criatividade e bom humor, neste grande teatro do mundo. Se a "normalidade" é muitas vezes fundamentada na hipocrisia, no cinismo, na intolerância, no abuso sobre os mais fracos, nos padrões preconceituosos que discriminam e humilham as pessoas, na covardia de muitos poderosos que querem impôr suas vontades com arrogância, violência e descaso, Deus nos livre dessa ilusão de sermos "normais". A chamada "normalidade" pode ser apenas uma espécie de "loucura" hipnótica autoiludida, baseada em conveniências de uma maioria que tenta impor suas vontades com cinismo e auto-complacência, sem noção dos próprios vieses inconscientes. 
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- Leitura indicada -  "O Alienista, de Machado de Assis", obra disponível em:

 


 
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Juliana Silva Valis
Enviado por Juliana Silva Valis em 12/02/2021
Alterado em 12/02/2021
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