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  ONDE ESTÁ O EQUILÍBRIO ?
por Juliana S. Valis
 





 
       Dos homens, costuma-se esperar o básico e muitas vezes, nem o básico eles querem fazer, com raras exceções. Homens medianos costumam ser valorizados a priori, sem precisarem provar quase nada, principalmente se vierem de famílias ricas. Já das mulheres, costuma-se exigir a "perfeição", seja no âmbito pessoal, profissional, familiar, estético, amoroso, ético, comportamental, entre outros.  Não se trata de dizer que todas as mulheres estariam sempre certas, nem que todos os homens estariam errados, pois toda generalização tende ao equívoco e todos nós somos humanos, logicamente com vários erros e acertos, tendo este artigo o objetivo apenas de refletir sobre algumas disparidades. A questão é que as exigências e as pressões sociais sobre as mulheres tendem a ser bem maiores.

     Podemos passar a vida toda nos esforçando, estudando, trabalhando, tirando notas altas com bastante dedicação, desde a escola até a pós-graduação, com empenho, perseverança, disciplina e grande empenho. Provavelmente, alguns de nossos queridos amigos homens que passaram a vida inteira colando em provas escolares, e que fizeram um esforço médio, hoje ganham mais e são considerados "cases de sucesso" ou "profissionais bem - sucedidos", nesse grande delírio cômico chamado "meritocracia".

  Na família, somos constantemente sobrecarregadas, cuidando de tudo e de todos (crianças, idosos, parentes, cachorro, gato, papagaio, seres vivos ou inanimados, estátutas, cofres e paredes pintadas etc). E por mais que seja tudo bem feito, nunca está bom, o serviço não pára, o trabalho doméstico é infinito, mas tende a não ser visto nem valorizado. Talvez algum desconto seja dado às mulheres mais ricas, que terceirizam muitas de suas atividades, sobrecarregando trabalhadoras domésticas, babás e secretárias. 

    No contexto profissional, temos que nos esforçar o dobro, o triplo ou imensuravelmente mais para ganhar bem menos que nossos colegas homens, em atribuições semelhantes, e ainda temos que rir de suas piadas de mau gosto e sobreviver a constantes disparidades de tratamento, implicâncias, indiretas, críticas, assédios, suposições, preconceitos contra gravidez e TPM, entre assuntos femininos, que, muitas vezes, até são provenientes de chefes também mulheres. E mesmo que nos empenhemos em fazer tudo teoricamente "certo", ainda provavelmente seremos culpabilizadas até por nossos pensamentos e emoções, por atos ou palavras, ações ou omissões, pressuposições e falhas superdimensionadas, incluindo as que não cometemos.

  No trânsito, somos constantemente desrespeitadas e agredidas por "valentões" auto-iludidos, peritos em volante e aspirantes a pilotos de fórmula 1, playboys mercernários dirigindo insanamente os carrões dos papais, como se estivessem em algum filme do estilo "Velozes e Furiosos", ou cidadãos ressentidos que querem correr à vontade e descontar sua raiva nos outros motoristas, especialmente se forem mulheres sozinhas em seus automóveis. Se estamos nos ônibus e metrôs, temos que nos defender constantemente das chamadas "mãos bobas". Se dirigimos, já nos julgam como más motoristas, frequentemente nos cortam na rua e jogam luz alta de farol, ainda que estejamos na velocidade da via. E quando batem no nosso carro, presumem automaticamente que a culpa é nossa, às vezes até com o aval de policiais agressivos e parciais, que  muitas vezes já chegam cometendo abuso de autoridade, por vezes com xingamentos e ironias. Por curiosidade, são os motoristas homens que causam estatisticamente o maior número de acidentes de trânsito letais, incluindo o aumento no seguro de veículo (basta digitar no Google sobre as estatísticas de acidentes de trânsito).

   E não termina por aí (talvez não termine nunca). No âmbito amoroso, qualquer homem mediano já é considerado "galã", basta passar desodorante e  escovar os dentes (muitos nem isso). A mulher parece que tem ser "miss universo" para conseguir qualquer paquera com qualquer cidadão, em suas altas exigências, respaldadas por comentários machistas de comediantes de botequim. Já a mulher não pode envelhecer, não pode engordar, não pode falar palavrão, não pode beber, não pode comer direito (chegaremos a fazer fotossíntese
?), talvez não possa até simplesmente ser "mulher" em paz, pois a sociedade em grande medida está historicamente calcada na misoginia e na desigualdade estrutural. Os mísóginos geralmente se dividem em vários grupos, em escalas de ressentimento, desde os "incels" que têm raiva das mulheres porque elas nunca lhes deram atenção (entre outras coisas), como se elas tivessem essa obrigação, até os ditos "garanhões", que se vangloriam de suas conquistas sexuais muitas vezes mentirosas ou, em algumas circunstâncias, criminosas.

    Mas, homens, não fiquem com raiva deste texto ou de qualquer outro, nós amamos vocês, não façam "mi-mi-mi", vocês são maravilhosos, inteligentes, charmosos, lindos, exuberantes, perfeitos e aceitos em qualquer idade. São "colírios da Capricho" dos 0 aos 107 anos, que podem desfilar maravilhosamente com as "novinhas" que teriam idade de suas netas (ou bisnetas), sem serem criticados, afinal a "novinha" é que é taxada de "interesseira", o digníssimo senhor babão é geralmente um santo  "vitima" das "golpistas". Já a mulher não pode se relacionar com um homem mais jovem, ainda que um pouco mais novo,  pois já tende a ser criticada. E se falamos qualquer coisa, nós é que seríamos "preconceituosas". Se somos emocionais, somos criticadas. Se somos racionais, também somos. As emoções das mulheres constantemente são invalidadas, e a razão das mulheres também é.

   Curiosamente, estamos sempre erradas. Ainda que tenhamos passado realmente por injustiças e violência, muitos distorcem os fatos e se fazem de vítimas das "loucas mulheres", mas nós não podemos falar nada porque estaríamos fazendo "vitimismo". Interessante que  o dito "vitimismo" feminino costuma ser mais tripudiado, muitas vezes com insensibilidade e descaso. Já o homem pode estourar por qualquer coisa, inclusive por coisas bem menores, que ainda será compreendido e apoiado como se fosse perfeito, só o "mi-mi-mi" masculino por coisas muito 'importantes', como jogos de futebol, pode ser compreendido e validado, afinal eles seriam mais "racionais", não importa se agridem os outros, se explodem emocionalmente batendo nos outros ou matando, isso tende a ser interpretado como um detalhe atribuído à testosterona. Curiosamente, os hormônios femininos são interpretados como "vilões" causadores da suposta "loucura" das mulheres, ou seja, estamos sempre "erradas", não podemos nem oscilar nosso humor, muitas vezes decorrente de variações comuns nos ciclos hormonais. Mas, muitas vezes, nem adianta explicar ou discutir nada.  Provavelmente, eles reverterão e distorcerão tudo que falarmos e fizermos, como se eles estivessem sempre de bom humor e fossem santos.

     Desse modo, ​​não podemos também reclamar de nada, ainda que estejamos em uma suposta democracia, porque estariamos nos fazendo de "vitimas", cheias de "mi-mi-mi", as feministas seriam consideradas chatas "malcomidas" histéricas, por falarem sobre direitos básicos das mulheres. Mas eles podem reclamar à vontade de quase tudo, inclusive explodindo a vizinhança com gritos exagerados quando seu time perde (como se isso tivesse alguma importância prática) ou quando simplesmente não correspondemos às expectativas deles.

    Vai saber qual a definição mais concreta de  "mi-mi-mi" e qual seria aceito ou estaria correto, ou o que seria esse suposto drama tragicômico constantemente distorcido sobre os detalhes de nossos atos. Todos nós temos apenas interpretações da realidade, e este texto também é apenas um humilde ponto de vista, com pitadas de bom - humor, sem nenhuma pretensão de ser perfeito. Interessante notar também que os dramas e as comédias dependem constantemente da valoração atribuída aos atores envolvidos, que classificam as emoções dos outros em critérios bastante subjetivos, invalidando-as quando convenientes ou não úteis diante de circunstâncias aleatórias.

   E não podemos falar nada, pois somos logo taxadas de "chatas" e "malucas". Não podemos querer nada, nem em pensamento ou sonho, pois, por mais que não tenhamos pedido nada na prática, muitas vezes, antes de falarmos qualquer coisa, já nos acusam de "interesseiras", quando eles mesmos têm todos os interesses do mundo, seja em nosso corpo ou em nossa vida. Muitos querem satisfação sexual completa de modo egoísta e querem ditar regras sobre as ações femininas, sem nenhum questionamento, exigindo das mulheres a aceitação incondicional que eles mesmos não oferecem (e que ninguém oferece, no fundo), talvez fosse melhor comprarem bonecas infláveis. A mulher nem sequer pode dizer tranquilamente "não" sem maiores explicações aos paqueras reais ou virtuais, que não conseguem entender que nem sempre estamos afim, e ainda querem que expliquemos o "porquê", senão levamos patadas e injúrias. 

   Pois como alguma pessoa ousaria rejeitar esses galãs perfeitos, santos e exuberantes, que constantemente querem aceitação e amor incondicional, mas impõem infinitas condições ao sexo feminino. Só nós, mulheres, teríamos defeitos. Só eles podem exigir a beleza e a perfeição feminina, em todos os aspectos, afinal só eles se entendem como "visuais", talvez sejam seres iluminados, que precisam ser atendidos em suas inumeráveis expectativas, senão irão nos xingar como bruxas malvadas, nos bater ou ameaçar, numa espécie de inquisição constante ou jardim de infância eterno, onde apenas nós devemos crescer, pois nossas falhas jamais serão aceitas, talvez nem as supostas qualidades sejam. De todo modo, não se pode rejeitar esses galãs maravilhosos, que provavelmente, por qualquer coisa, colocarão a culpa em nós ou em suas mães por terem sido mal educados, egoístas e mimados (e os pais, onde estarão esses santos
?).  

   A mulher pode fazer milhões de coisas boas e infinitas coisas produtivas, e provalvelmente nada é considerado bom o suficiente; o homem faz qualquer coisa, solta um pum e já é maravilhoso, engraçado e já pode posar de "descolado", hipster ou de pai do ano, por levar o filho ao shopping no fim de semana e postar no Instagram, ainda que a pensão alimentícia da criança esteja atrasada ou que tenha vários outros filhos "não declarados" (somos milhões no Brasil,).

    No âmbito da vida privada, nem se fale. Temos que cuidar de tudo e de todos. Se temos filho, somos criticadas por qualquer coisa. Se não temos, também somos. De qualquer modo, não se pode falar nada na rua ou em casa, pois ainda corre-se o risco da violência doméstica, e haja Lei Maria da Penha para esses "valentões", que se acham sempre certos. 

  Se somos casadas, provavelmente somos sobrecarregadas com todo o trabalho doméstico. Se somos solteiras, já nos rotulam de "encalhadas", como se dêvessemos satisfação de nossa vida íntima. Se não falamos nada, somos "fechadas", "esquisitas" ou misteriosas.  Se falamos qualquer coisa, ou qualquer reflexão que questione comportamentos inoportunos, já somos taxadas de "malucas" ou "inconvenientes'. Se for considerada uma mulher "vulgar" em seu vestuário, é criticada. Se for considerada "puritana", também é. A freira é criticada por vestir o hábito, a muçulmuna por estar de burca, e ainda assim podem ser acusadas de estarem se "insinuando" para qualquer um na esquina, ainda que estejam simplesmente caminhando pela rua.

    Interessante que os mesmos santos hipócritas que elogiam a nudez feminina  ou pedem "nudes" por celular provavelmente são os mesmos que culpabilizam a mulher por terem mostrado partes do corpo, ou por sofrerem abusos e violência, seja na rua ou em casa, alegando que a mulher é que seria "vulgar". Curioso que um homem pode andar sem camisa na rua, bêbado, delirante e praticamente nu com alguma sunga esburacada, mas provavelmente não será estuprado (ou não, vai saber), e ninguém diria "ele foi violentado porque ele estava sem camisa, mal vestido e porque bebeu insanamente numa festa de amigos" e ainda assim poderia fazer um show de stand - up comedy, zoando as mulheres que gastam fortunas de maquiagem, botox, silicone e produção estética para ficarem com qualquer Zé - Ruela arrogante (com todo respeito aos Zés - ruelas, nada contra).

   O homem que bebe é socialmente aceito, divertido, bonachão, rei dos bares e da "galera vip". Já a mulher que bebe tende a ser mal vista e corre sérios riscos de violência, ainda que simplesmente esteja compartilhando bebidas com seus amigos homens, que podem fazer várias peripécias, e serão considerados como tendo comportamento "cool", fazendo suas travessuras e ficando com quem quiserem, sem serem repreendidos. O homem que faz loucuras é excêntrico, bonachão, divertido e ousado. A mulher que faz as mesmas coisas (ou bem menos) será provavelmente criticada, julgada e condenada sumariamente como "louca" (vide o hábito do 
Gaslighting*), "desequilibrada" ou "histérica de TPM". 

  E ainda assim, se fazemos qualquer reflexão questionadora, somos provavelmente taxadas de chatas, "doidas", entre outros adjetivos bastante superficiais. Não há "santa" que escape de qualquer crítica. O jeito é refletir com atenção, fazendo com alguma qualidade as inúmeras tarefas que temos em nossa vida corrida, sem ligar para opiniões alheias e tendo nossa própria personalidade. 
 
   Mesmo quando nos esforçamos e fazemos tudo teoricamente "correto", tende a não ser valorizado. Onde estará o equilíbrio ? É preciso haver mais prudência e respeito nas relações entre todos. Nós, mulheres, precisamos ficar atentas para termos mais força interna e autoestima, pois somos frequentemente culpabilizadas até mesmo quando sofremos injustiças. De tantos sermos cobradas em todos os sentidos, pressionadas e chamadas de "loucas",  nossa saúde física e saúde mental vai sendo prejudicada. É necessário refletir com cuidado e sermos mais solidárias umas com as outras, valorizando a cooperação, pois somos constantemente sobrecarregadas em vários aspectos da vida.

     É claro que existem exceções, existem muitos homens de boa índole, que também estão sobrecarregados, mas temos que começar a dividir melhor nossas atribuições, cooperando em termos práticos, para encontrarmos, talvez, mais equilíbrio em nossas vidas diárias.

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Obs.: Este texto tem leves pitadas de humor e de ironia,  não se tratando de guerra de gêneros, mas apenas uma reflexão social, sendo claro que todos nós temos defeitos. Ninguém é santo ou santa. Não se pretende acusar nem defender ninguém aqui, mas apenas refletir, com um pouco de bom humor. O jeito é não ligar para opiniões alheias. 




Gaslighting* : ato de chamar as mulheres de "loucas", distorcendo a realidade, em uma espécie de manipulação psicológica, ensejando "um tipo específico de abuso psicológico direcionado às mulheres – que consiste em duvidar de todos os seus pensamentos, sentimentos e percepções(...)" . Ler mais sobre esse tema em: "Chamar as mulheres de loucas: uma forma de violência que vem de longa data e ainda se faz presente - GreenMe"




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Juliana Silva Valis
Enviado por Juliana Silva Valis em 11/02/2021
Alterado em 11/02/2021
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